Mercado de leite brasileiro deve se recuperar neste ano, acreditam especialistas
Só em março conheceremos os números de 2016, mas a expectativa é de que
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgue que a
produção de leite no Brasil sofra a maior queda em 55 anos, desde que os
índices passaram a ser registrados. Apesar disso, especialistas acreditam na
recuperação do setor.
Conversamos com o pesquisador João César Resende, da Embrapa Gado de
Leite, para entender o porquê disso. Confira!
Apesar da recuperação do setor no último trimestre de 2016, a produção
do ano deve fechar com uma retração superior a 3% em relação a 2015. O que faz
vocês acreditarem na recuperação do setor para este ano?
Em primeiro lugar é bom esclarecer que a retração da produção de leite
brasileira em 2016, se confirmada, será um evento pouco comum, embora em 2015
ela já tivesse caído 0,35% em relação ao ano anterior. A última vez que tivemos
uma produção menor do que a do ano anterior aconteceu em 1993 quando a produção
caiu 1,2% em relação 1992. Ou seja, a produção de leite apresenta uma tendência
de queda nestes três últimos anos, fato que não acontecia há 23 anos. O que
pode explicar isto? A queda de produção em 2015 pode ser explicada basicamente
por três fatores: uma queda de 10% nos preços do leite pagos aos produtores,
problemas de seca (falta de chuva) em regiões estratégicas para a produção; e
um acentuado abate de vacas pelos produtores, tendo em vista que os preços da
carne, especialmente em 2015, estavam em alta relativamente aos preços do leite
na época. Em 2016 a esperada queda de produção em torno de 4% (esta queda não
foi confirmada ainda pois as estatísticas oficiais ainda não foram publicadas)
é explicada pelos seguintes fatos. Primeiro: embora o preço recebido pelos
produtores em 2016 estivessem 15% maiores do que em 2015, o custo da
alimentação estava 35% acima do patamar verificado no ano anterior. Ou seja, o
aumento de preço recebido pelos produtores foi totalmente corroído pelo aumento
de custos. Segundo: os fazendeiros abateram no ano anterior mais de 10% de suas
vacas, comprometendo decisivamente sua capacidade de produção de leite no ano
seguinte. Terceiro: por uma questão internacional. Em 2016 havia muito leite
disponível nos principais países produtores e o preço internacional estava em
baixa. Nesta conjuntura, foi mais negócio e mais cômodo para algumas indústrias
brasileiras importar leite do que comprar internamente. Tanto é que o Brasil em
2016 comprou no exterior 70% a mais de leite do que tinha comprado em 2015.
Qual é a expectativa de crescimento para o setor?
Tudo indica que vamos voltar à normalidade, ou seja, vamos voltar a
crescer nossa produção interna. Na realidade já foi verificada uma tendência de
retomada de crescimento da produção no segundo semestre de 2016, motivada
principalmente pela sazonalidade das chuvas. Além do mais, é normal a produção
crescer no último trimestre por causa das chuvas e melhoria das pastagens.
Podemos acreditar em uma retomada da produção de leite em 2017 pelos seguintes
fatos. Primeiro: já está acontecendo uma queda no preço da ração e
consequentemente nos custos de produção. A redução neste caso pode ser grande
pois temos uma expectativa de super safra de grãos neste ano. Segundo: o preço
internacional do leite voltou a subir, alguns países – grandes produtores –
estão com expectativa de produzir menos leite e os estoques de leite reduziram
nas principais praças exportadoras. Isto certamente vai dificultar a importação
e incentivar a produção interna. Terceiro: o preço da carne já não está tão
atrativo para incentivar mais abate de matrizes. Quarto: aparentemente não
teremos problemas tão acentuado com seca neste ano. Ou seja, temos argumentos
suficientes para acreditar que voltaremos à normalidade com um crescimento
próximo ao histórico da nossa produção interna, que foi de 3,7 % na média dos
últimos dez anos.
O que vai manter o produtor na atividade?
A atividade leiteira deve ficar economicamente mais competitiva para os
produtores em 2017, mesmo com uma expectativa de queda nominal nos preços.
Primeiro porque os custos com alimentação certamente vão cair em percentual bem
maior do que uma eventual queda nos preços. Em segundo lugar, podemos prever
que a indústria já não terá tanto interesse e nem vantagens para importar leite
uma vez que o preço internacional, conforme já falamos, está em elevação.
Ademais não tem qualquer razão para voltar a cair, já que a produção de vários
países importantes produtores deve cair em 2017. Um terceiro ponto a considerar
é que o preço da carne já não está tão atrativo a ponto dos produtores se verem
tentados a abater suas matrizes. Em quarto lugar e por último, temos que levar
em conta que o consumo interno deve aumentar em virtude de uma perspectiva de
retorno de normalidade da situação econômica do país, neste caso com queda da
inflação, estabilidade do emprego e pequeno aumento do nível de salários e
renda do consumidor.
Qual é nosso grau de dependência do mercado externo para abastecer
demanda interna de consumo?
Historicamente o Brasil nunca foi um grande importador de leite pois a
nossa produção interna sempre foi suficiente, ou quase suficiente, para atender
a demanda. Os dados de importação de leite mostram que em média importamos
apenas 2,5% do leite consumido no país nestes últimos 10 anos. No ano passado,
tivemos uma situação atípica. Devido à queda na produção interna e aos preços
internacionais baixos creio que importamos cerca de 6% do leite consumido
internamente. Foi a fase que mais importamos leite nestes últimos quinze anos.
Mas esta foi uma situação fora da normalidade. Em 2017 as importações, tudo
indica, serão baixas. A indústria láctea brasileira não terá qualquer atrativo
para trazer leite de fora, pois os preços dos nossos principais fornecedores,
que são Argentina e Uruguai, certamente estarão mais altos relativamente aos
nossos preços internos.
Em relação aos preços pagos ao produtor, qual é a realidade hoje e quais
são as expectativas a um curto prazo?
Em 2017 certamente os preços do leite pagos aos produtores serão
menores, mas isto não significa que o ano será pior para eles. Conforme já
falamos, os custos devem cair em percentual bem maior do que os preços. Nossos
produtores estarão em uma situação melhor do que em 2016. O fato interessante é
que os preços pagos pelos consumidores nos supermercados e padarias também
serão menores. Ou seja, no caso do leite, neste ano de 2017 teremos uma
situação melhor tanto para os produtores quanto para os consumidores. Diferente
de 2016, quando os preços altos não beneficiaram os produtores e trouxeram
transtornos para os consumidores que chegaram a comprar leite até a cinco reais
o litro. Em alguns momentos, a falta do produto no mercado foi tão grande que
alguns pontos do varejo chegaram até a limitar a quantidade de leite que o
cliente podia levar para casa.
E o preço final do leite para consumidor? Há risco de aumento como em
2016?
Acredito que não existe este risco. Temos a expectativa de uma super
safra de grãos importante para a produção de leite, como é o caso do milho e da
soja, o que poderá reduzir os custos para os produtores. Além do mais, tudo
indica que nossa produção voltará a crescer, pelo menos para os níveis de 2015
e será suficiente para abastecer o consumo interno. Pelo menos na cadeia
produtiva do leite teremos um ano de normalidade. Os custos enfrentados pelos
produtores de leite não terão elevação, não haverá abate de vacas e não existe
previsão de seca acentuada nas principais regiões produtoras de leite do país.
Que tipo de apoio ou incentivo o setor necessita para alavancar?
O Brasil dispõe de recursos abundantes em termos de terra, clima e mão
de obra que o colocam em condições de se tornar um importante personagem no
mercado internacional de lácteos. Temos vantagens comparativas para produzir
leite a baixo custo e com qualidade suficiente para exportar em condições
competitivas com os maiores e melhores vendedores de leite do mundo. O problema
é que isto não vem acontecendo. Nossos custos de produção são ainda altos
relativamente aos de outros países como a Argentina, Uruguai e Nova Zelândia. A
qualidade do nosso leite ainda deixa muito a desejar, embora já tenhamos
avançado bastante nesta área. A cadeia do leite ainda precisa avançar muito em
termos de eficiência. Em outros setores da agricultura, como milho, soja,
citros e carnes já avançamos para patamares de eficiência comparáveis aos dos
produtores mais poderosos do mundo. No leite ainda estamos travados. Produzimos
para o consumo interno e mesmo assim volta e meia precisamos importar para
completar a nossa demanda interna. Por outro lado, se olharmos o nosso setor
leiteiro com uma lupa vamos detectar alguns problemas que ainda leva certo
tempo para resolver. Temos problemas de logística que dificultam e deixam mais
caro o escoamento interno de nossa produção. O setor produtivo é muito
pulverizado em termos de unidades de produção, o que dificulta os ganhos de
escala, a melhoria da qualidade e os processos de modernização tecnológica.
Nossa produtividade, tanto da terra quanto dos animais, é ainda muito
baixa se comparada a de outros países importantes para a produção mundial. Ou
seja, temos grandes problemas estruturais ainda por resolver e a solução não
vai acontecer de um dia para o outro, já que estamos falando de uma atividade
produtiva extremamente complexa. É muito menos complicado produzir milho, soja,
trigo, frangos, suínos e mesmo gado de corte, do que produzir leite. Temos que
ter paciência e persistência. O governo vem investindo em estradas, assistência
técnica aos produtores e políticas de crédito para o setor. Além disso, a
qualidade do produto tem sido objeto de preocupação e por conseguinte de várias
ações oficiais já estruturadas e em andamento. Para crescer de forma definitiva
temos que focar o mercado externo e para isto precisamos produzir excedentes de
qualidade e a custos competitivos. Um consolo existe: temos já ilhas de
excelência, especialmente na região Sudeste e nos estados do Sul onde alguns
produtores já despontam com índices de eficiência nos patamares dos melhores
produtores mundiais. São poucos, mas existem e representam uma luz no fim do
túnel.
Fonte:www.portaldoagronegocio.com.br
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